terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Ser manso exige força e coragem. Vai encarar?


Por Jânsen Leiros Jr.


“Bem-Aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra."
     Mateus 5:5 - JFA


1 Não te indignes por causa das más pessoas; nem tenhas inveja daqueles que praticam a injustiça. 2 Pois eles em pouco tempo secarão como o capim, e como a relva verde logo murcharão. 3 Confia no SENHOR e pratica o bem; assim habitarás em paz na terra e te nutrirás com a fé. 4 Deleita-te no SENHOR, e Ele satisfará os desejos do teu coração. 5 Entrega o teu caminho ao SENHOR, confia nele, e o mais Ele fará. 6 Ele exibirá a tua justiça como a luz, e o teu direito como o sol ao meio-dia. 7 Aquieta-te diante do SENHOR e aguarda por Ele com paciência; não te irrites por causa da pessoa que prospera, nem com aqueles que tramam perversidades. 8 Deixa a ira e abandona o furor; não te impacientes. Não te inflames, pois assim causarás mal a ti mesmo. 9 Pois os malfeitores serão exterminados, mas os que depositam sua esperança no SENHOR herdarão a terra."
     Salmos 37:1-9 - KJA

A terceira bem-aventurança ecoa o livro de Salmos em seu capítulo 37, que é um hino da literatura sapiencial hebreia. Mas ao acrescentar a repetição de sua essência entre as palavras iniciais do sermão do monte, bem como incluir tal menção entre os que choram e os que têm fome e sede de justiça, Jesus dá novo vigor às pretensões de Davi ao dizer descansa no Senhor e espera n'Ele.

Alguns estudiosos sugerem que a mansidão é um ato de gentileza ou de cordialidade extrema, motivado por uma abnegação dos impulsos naturais de querer chamar a atenção para si, ou fazer valer os próprios direitos. Tal entendimento pode ter influenciado algumas traduções, que em lugar de manso utilizaram humildes. Mas me parece que essa perspectiva é limitada, se utilizarmos o texto de salmo como pano de fundo, e muito mais se contextualizarmos a expressão em meio as bem-aventuranças, exatamente como se encontra.

Seguindo a fluidez do texto, vemos que os pobres, aqueles que se percebem carentes de Deus e de seu socorro, que se entendem sem recursos, choram sua condição de penúria espiritual. Lamentam e pranteiam não só como necessitados e dependentes, mas também e principalmente porque lamentarão sempre e prantearão até o fim. Então, diante dessa condição e encarando tal realidade, o indivíduo pode escolher; ou se rebela, tentando tomar sobre os próprios ombros o encargo de mudar sua sorte, já que tantos outros vivem de forma diferente, ou decide, por confiança insofismável, esperar em Deus e em sua justiça. O manso é aquele que decide confiar em Deus e esperar d'Ele a solução do pleito, embora se encontre em uma circunstância desfavorável.

O indivíduo olha para um lado e vê a injustiça se prolongando em dias. Olha para outro, e vê os malfeitores enriquecendo às custas de sua perversidade. É claro que lhe passa pela cabeça que manter-se probo e reto pode lhe privar de uma condição melhor para si mesmo e os que dele dependem para existir; sua família por exemplo. Mas o salmista adverte, não inveje o homem injusto. Mais ainda. Confia e espera em Deus; descansa. Os que esperam herdarão a terra.

Notem que essa promessa é contundente mas conflitante, principalmente no contexto de um povo subjugado pelo domínio romano. Receber a terra por herança, equivale a recebê-la por direito sem precisar lutar por ela. Logo os judeus, acostumados a guerras e a se defenderem de nações inimigas por todos os lados. O que Jesus está propondo é larguem suas armas. Não confiem nelas para estabelecerem a pretensa justiça. Se dependem de Deus e choram por suas sortes, dependam e chorem até o fim, sendo mansos e confiantes de que é Ele que os fartará daquilo de que são carentes. Não reajam, mas antes confiem.

Falar aqui em mansidão tinha como propósito a sustentação do restante do discurso. Oferecer a outra face, caminhar duas milhas se obrigado a uma, não são atitudes senão de mansidão. Atitudes daqueles que escolhem ser mansos, em vez de agirem em seu próprio favor. Mais tarde Jesus irá se oferecer como cordeiro manso ao sacrifício. Ele será manso diante da guarda que o capturará no Getsêmani, diante do Sinédrio reunido para julgá-lo, e diante de Pilatos que o interrogará. Por todo o seu martírio, Jesus exercerá convicto sua mansidão, tendo em foco o propósito de Deus em tudo que ocorrerá à frente, e a providência divina em seu socorro final. Afinal, ele será o primeiro entre muitos que herdarão a terra.

Não é sem razão que Paulo por vezes evidenciou a cruz como o modo de martírio de Jesus. Não que a cruz como objeto ou modelo de execução tivesse em si qualquer distinção que a fizesse diferente das demais. Nem o objeto e nem o modelo, pois como Jesus, milhares de outros judeus foram executados na cruz. Em sua própria crucificação, Jesus se fez acompanhar de outros dois executados da mesma forma, e por outras razões. Mas o que fica evidente na cruz é a exposição da condenação, a vergonha, ou ignomínia, como aparecerá em algumas traduções. Uma vergonha por aquilo que não lhe cabia, uma condenação injusta pela qual nada fez de si mesmo. Antes a sofreu por mim e por você.

Jesus exerceu a mansidão por todo aquele evento. A cada chicotada, a cada afronta dos soldados romanos, e a cada impropério dito pelos passantes a que não reagia, ele exercia a mansidão. Nem mesmo diante de Pilatos, que chamou para si a autoridade de liberta-lo ou de prendê-lo. A este Jesus respondeu mansamente que nenhuma autoridade ele teria, se de Deus não a tivesse recebido, demonstrando claramente que não exerceria seu poder de reação, mas entregar-se-ia irrevogavelmente ao propósito de Deus. Ele foi obediente até a morte, e morte de cruz[1].

A mansidão é, portanto, o ato positivo em direção à confiança. É uma ação realizadora. Alguns podem confundir tal esperança com um ato covarde ou de não enfrentamento do inimigo. Mas não é nada disso. O manso é antes aquele que por confiança e esperança guerreia contra si mesmo, para em vez de agir precipitadamente em seu favor, aguardar em Deus, certo de seu cuidado e de sua providência. O manso não é um covarde que teme a reação. É aquele que corajosamente espera confiante no amor de Deus. Sua satisfação e o seu prazer está em esperar pela ação do Pai. Os mansos, sem luta, herdarão a terra.




[1]  Filipenses 2:8

3 comentários:

  1. Muito bom o texto! *Ñ é preciso nem comentar mais nada:Os mansos, sem luta, herdarão a terra.São aqueles que corajosamente esperam confiante no amor de Deus. Sua satisfação e o seu prazer está em esperar pela ação do Pai. Obgda pela explicação !

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    1. Oi Rita, fico feliz que tenha gostado. E sinto-me recompensado por servir de explicação. O Senhor abençoe sempre seu coração e mente. Obrigado pelo carinho.
      Um forte abraço

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