terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Um choro além das lágrimas


Por Jânsen Leiros Jr.


“Bem-Aventurados os que choram, porque eles serão consolados."
     Mateus 5:4 - KJA


“Bem-Aventurados os lamuriantes, porque eles serão consolados."
     Mateus 5:4 - NT Interlinear

Há uma relevante ligação entre a primeira e a segunda bem-aventurança, revelando uma decorrência da segunda em razão da primeira. Ou seja, os que choram, choram porque se reconhecem pobres. Por não terem espíritos altivos, são sensíveis ao convencimento do Espírito Santo. Ao reconhecerem suas condições de carência diante de Deus, suas fragilidades e inevitável penúria, lamentam e pranteiam suas realidades, produzindo um choro que vai além de suas próprias lágrimas.
                                                                                                 
No texto de Mateus, aparece a palavra penteō, que significa pranto, lamento ou tristeza. Sentimentos que estremecem a alma, nos abatendo e perturbando a autoconfiança. O choro, o derramar de lágrimas apenas, em si mesmo nada é. Somos capazes de chorar de tanto rir, por uma alegria imprevista, ou até mesmo por uma cena romântica. Portanto, ao dizer que os que lamentam ou pranteiam serão consolados, Jesus está se referindo àqueles cujo derramar de lágrimas vem das profundezas de almas lamuriantes, sinceramente tristes e emocionalmente abalados.

Ora, qualquer ser humano pode passar por uma tristeza muito forte, e ficar por conta disso profundamente abalado. Se alguém ainda não passou, passará com certeza. Seja por um amor não correspondido, pela reprovação em um concurso, ou mesmo pela perda de um ente querido, todos um dia sentimos uma dor mais aguda, uma dor mais doída, que atravessa o peito, sangrando o coração com lágrimas sentidas. Sofremos perdas; e por elas as almas sofridas se doem e choram.


35 Jesus chorou. 36 Disseram então os judeus: Vede como o amava."
     João 11:35-36 - JFA

Mas não obstante a legitimidade dessas lágrimas, por mais que elas surjam de corações doídos e sinceros, seria por motivações como essas que Jesus diz serem bem-aventurados os que choram? Seriam essas lágrimas, um sinal claro de que haverá consolo no Reino dos céus. Tais lamentos são capazes de transformar as pessoas, salvando-as de si mesmas? Pergunto, porque por mais doídas que sejam suas motivações, nenhuma delas podem produzir reconhecimento da pobreza espiritual; se muito, a constatação de nossa pequenez e finitude diante de Deus e de sua bondade.

Creio que Jesus está falando de um lamento que receberá consolo definitivo apenas no porvir. De um conforto que se concretizará, não no aqui e agora, mas no ali e além de nossas vidas no Reino dos céus. Um consolo eterno para toda e qualquer lágrima doída de tristeza, lamento e pranto, causados pela pobreza espiritual e pelo estado de afastamento de Deus, do qual toda a humanidade padece. Portanto, nosso choro não se extingue nessa vida. É ele um lamento que perdurará latente, enquanto o coração dos que estão em marcha pulsarem no peito experimentado em dores. É um pranto que mesmo sem lágrimas, ecoará dentro da alma piedosa e contrita diante de Deus, enquanto caminharmos como peregrinos em terra estranha.


“Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, apedrejas os que a ti são enviados! quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e não o quiseste!"
     Mateus 23:37 - JFA

Um paralelo com o choro dos que sofrem por suas condições sócio econômicas é inevitável, uma vez que os pobres são, em sua esmagadora maioria, as principais vítimas diretas ou indiretas de toda maldade e vilania humana. O contraste em Lucas com os "que agora riem", aponta para o fato de que, se há os que se lamentam, há os que se alegram em meio às mesmas condições, não obstante dividirem o mesmo cenário mundial de horrores e devastação moral. O desejo de falar sobre isso é inevitável. Mas resistindo a tal impulso, preferirei fugir desse contexto, ainda que ele não me seja menos tocante. Pelo menos por agora.

Relativamente ao discurso do Sermão do Monte, gosto de pensar que os que não lamentam, os que não sofrem e portanto não choram, não o fazem pura e exclusivamente porque, para eles, pouco importa tanto o estado de falência da humanidade afastada de Deus, quanto suas próprias condições espirituais, que segundo seus próprios juízos e racionalizações, encontram-se extremamente adequadas e convenientes a interesses oportunos. A autoconfiança que produz a falsa sensação de segurança, permeia a altivez dos que agora riem ou não pranteiam, produzindo em si mesmos, a recompensa de suas soberbas. Loucos! Hoje lhes pedirão as almas. E tudo sobre o que repousam suas seguranças, para quem será?


9 Agora folgo, não porque fostes contristados, mas porque o fostes para o arrependimento; pois segundo Deus fostes contristados, para que por nós não sofrêsseis dano em coisa alguma.10 Porque a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salvação, o qual não traz pesar; mas a tristeza do mundo opera a morte."
     2 Coríntios 7:9-10 - JFA

É por isso que me assustam os defensores do evangelho da autoajuda, das palavras de ordem, dos gritos de guerra e das declarações de afirmação de prosperidade e de alegrias blindadas. O cristão, ainda que feliz por sua esperança e confiança da sua salvação, tem muito o que lamentar e prantear, não chorando um choro apenas teatral, e por isso incapaz de lhe arrancar de sua inércia. É preciso vertemos lágrimas que nos impulsionem a testemunhar e a pregar o evangelho da cruz, do arrependimento, e da conversão a Deus a ao seu Cristo.

O cristão precisa manter-se livre das amarras de uma vida sedutora, e da ideia de que o pretenso bem estar sócio econômico de sua vida, testemunhará a favor do poder do evangelho. Vidas transformadas são o maior e melhor testemunho que podemos oferecer ao mundo. Devemos nos tornar pessoas que, cheias do amor de Deus, pranteiam com aqueles que choram suas angústias e desesperanças, em meio a um mundo que insiste em nos oprimir e a nos presentear com constantes e variados momentos de tristeza, nos confrontando com a realidade lamentável de que o mundo jaz no maligno.


Quanto mais pretendemos ter, esperando que essas coisas nos consolem, mais presos ficaremos a um estado de coisas que nos deveriam ser motivo de pranto e dor. Vejo que na verdade os desejamos profunda e visceralmente. Será que na verdade, o que queremos mesmo é sermos aqueles que agora riem?

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