Por Jânsen Leiros Jr.
“Bem-aventurados os limpos de
coração, porque eles verão a Deus."
Mateus
5:8 - JFA
É quase impossível lermos as Bem-Aventuranças, sem que isso nos cause
uma certa inquietação por uma flagrante inadequação pessoal com seu conteúdo.
Se é com sinceridade que as lemos, logo somos levados a uma autoconfrontação,
que nos impele a uma reflexão minimamente honesta, em que nos vemos distantes
daquilo que nos apresentam; mansidão, humildade, misericórdia... E agora mais
essa, limpos de coração.
Ora, quem pode se considerar
honestamente limpo de coração. Sem
mácula, sem erro... sem pecado? E se os limpos de coração é que verão a Deus,
quem então o verá? Quem é limpo de coração para tamanha recompensa? Quem diante
disso pode dizer eu verei a Deus?
Pois ninguém jamais o viu[1].
Se considerarmos que Jesus está
falando do reino de Deus, para onde marchamos
todos os que vivemos sob seu domínio, nenhuma das bem-aventuranças descritas
pode ser uma utopia ou uma condição inatingível. Portanto ver a Deus será efetivamente uma circunstância natural e decorrente
aos que são limpos de coração. Logo,
há quem seja ou se torne limpo de coração.
Mas quem é limpo de coração? Ou melhor,
o que é ser limpo de coração?
O
coração é o centro do ser e da personalidade do indivíduo,
diria Martyn Lloyde-Jones, ao comentar essa bem-aventurança. E ele não está
muito longe da verdade, pelo menos em termos de correlação bíblica. Toda vez
que um autor bíblico fala da origem da vontade, intenções e pretensões humanas,
coloca o coração como sua fonte[2].
Quando questionado por não lavar as
mãos antes de comer, Jesus afirmou que limpar o exterior do copo e do prato,
não passava de exterioridade frívola, pois em contrapartida, seus interiores
estavam repletos de sujeira e podridão. E logo depois disse para que seus
discípulos se guardassem do fermento dos fariseus. Isso nos dá uma boa pista de
que, ao referir-se a um coração limpo,
Jesus estivesse falando de corações verdadeiros, sem falsidades. Não de
corações perfeitos e imaculados, mas sinceros e sem fingimentos.
Há comentadores que defendem a
existência de uma relação entre as Bem-Aventuranças. Assim, os humildes estariam ligados aos misericordiosos, os que choram com os limpos de coração, e os mansos
com os pacificadores. Confesso que
esse modo de análise do texto me agrada, principalmente pela obviedade da
interdependência das condições. Pois os que humildemente se percebem
dependentes da misericórdia de Deus agem com misericórdia com o próximo, assim
como os que choram pranteando sua condição de pecador, está purificado em seu
coração arrependido, contrito e quebrantado[3].
Logo, um coração limpo não é obra humana. Não é uma condição alcançada por
vontade própria, decorrente de um esforço pessoal. Um coração limpo é um coração justificado pela graça de Deus. Não é um
coração puro, mas purificado, lavado.
Limpos de coração, são aqueles que
não esconderam suas mazelas em uma pureza aparente. Antes se derramaram em lágrimas
diante de Deus, confessando seus pecados[4].
Há porém um outro aspecto bastante
relevante nessa bem-aventurança; a possibilidade de ver Deus. Não é segredo pra quase ninguém no mundo moderno, que Deus é espírito[5],
e portanto invisível. Essa impossibilidade de enxergarmos Deus diante com
nossos próprios olhos, segundo muitos afirmaram ao longo da história, é porque
nossos olhos são olhos pecadores, e por isso ninguém jamais pode ver Deus.
Mas se entendemos que coração limpo refere-se a um coração purificado, em cuja obra
purificadora é realizada pelo próprio Deus, então aquele que foi purificado deveria passar a enxerga-lo
em algum lugar onde pudesse estar. Sabemos porém que isso nunca aconteceu. E outra
vez poderíamos recorrer, para explicação, ao fato de que embora purificados no
coração, estamos presos a um corpo de pecado, que opera contra nós.
Em ambas as hipóteses, trabalhamos com
um determinante poder do pecado. No primeiro, tendo um coração impuro, o indivíduo
não pode ver Deus, que é santo, o que de certa forma poderia se encaixar bem no
contexto. Mas no segundo caso, o pecado ainda exerceria poder sobre o purificado de coração, e isso não é possível,
pois tornaria a obra de Cristo incompleta. Ora, ele nos livrou do poder do pecado
e da morte[6].
Ou seja, em Cristo somos libertos de toda e qualquer consequência que o pecado
possa exercer sobre nossas vidas. Inclusive o de não podermos ver Deus.
Ora, fica evidente que ao falar de ver Deus, Jesus não se refere a
enxerga-lo, mas se refere a percebê-lo e senti-lo, e tão sensorialmente
admiti-lo próximo, que ver Deus torna-se
muito mais que simplesmente enxerga-lo. Ser purificado de coração, tornar-nos capazes
de interagirmos com Deus como quem o enxerga
face a face, numa relação direta e transparente, onde a verdade revelada de
parte a parte, vai delineando sem sombras ou equívocos, quem Deus é[7].
Talvez por essa razão, o purificado de
coração veja Deus criando, onde o ímpio
enxerga somente a natureza formando-se ao acaso. Talvez por isso ele veja Deus agindo onde o homem natural entende
apenas sorte ou azar. É, sem dúvida, por esse coração limpo que ele vê
Deus amando o mundo em Cristo, onde o incrédulo sabe apenas de um judeu revolucionário,
punido com a morte, por pregar uma doutrina impossível de ser vivida.
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